
50 anos de Criolo: o axé do rap que envelhece bem
Por Yaz Paulino
Publicado em 21 de outubro de 2025
Aos 50 anos de idade, Criolo celebra a vida e a arte em uma turnê pelo país. Desse meio século de vida, mais de 30 são só de hip-hop, com as raízes fortemente fincadas nas ruas de São Paulo, capital. Em terras mineiras, o artista e a banda pousaram no Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
Da plateia, rostos e corações em um estado de encantamento coletivo. Do palco, um Criolo vibrante, criativo, envelhecido e pleno.
Talvez um público mais jovem não conheça um dos nomes mais importantes da música brasileira. Criolo, dono de uma discografia riquíssima que traz referências do hip-hop, samba, reggae, blues e toques de jazz.
No repertório do show, o rapper mergulhou entre alguns de seus maiores sucessos desde o seu álbum de estreia Nó na orelha (2011), um dos lançamentos mais marcantes da década, passando por Convoque seu Buda (2014), Espiral de Ilusão (2016) e o mais recente Sobre Viver (2022).
Este último profundamente conectado com a nossa experiência da pandemia de covid-19, que levou centenas de milhares de brasileiros, incluindo a irmã do rapper, Cleane Gomes, que faleceu com apenas 39 anos de idade.

Se tem alguém que sempre narrou bem a São Paulo escura, nublada e frustrada, esse alguém é o Criolo Doido. Mas, não só de melancolia e solidão vive a capital paulista. O artista media essa relação com suspiros de alegria nas batidas do samba e invoca esperança nas suas linhas.
Muitos anos antes de pensar em colocar meus pés em São Paulo pela primeira vez, a imagem que construí da capital era cercada pelo que eu ouvia de Criolo, Racionais, Sabotage, Emicida - cada um em seu respectivo território nessa mesma gigante selva de pedra.
E esse sopro de energia em forma de show me trouxe incontáveis reflexões sobre longevidade, referência e a imortalidade da arte.
Começando pelo público do show, que me pegou de surpresa. A expectativa que eu criei era de que a maioria das pessoas seriam parecidas comigo ou um pouco mais velhas - visto a geração que Criolo representa - mas, como é bom estar errada em momentos como esse. Ao meu redor, até onde meus olhos alcançaram, presenciei um público que ia de adolescentes a idosos, todos vibrando juntos em um show de rap.
Essa relação de um público intergeracional me deu uma dimensão do impacto do trabalho de Criolo, algo que não se dissolveu e não perdeu o fôlego durante seus mais de 30 anos de carreira.
Com a criação de álbuns profundos, conectados aos problemas do Brasil e recheado de frases marcantes, Criolo conseguiu construir um trabalho que impacta gerações e que não se mede em discursos de ego no Instagram ou no X.

Invoco essa reflexão porque, enquanto alguns nomes do rap atual disputam protagonismo nas redes sociais e se auto proclamam os melhores de uma cena, Criolo lotava um teatro com um público de todas as idades, sem precisar gritar sua relevância em rede social.
Um Criolo envelhecido, no melhor sentido
Entre uma música e outra, Criolo fez uma pausa e suspirou: “Ah, como é bom envelhecer”. Me lembrei que em 2016, quando o rapper celebrava 40 anos de idade e retirou um verso transfóbico da música “Vasilhame”, admitindo sua imaturidade e mudando a canção, 15 anos depois de seu primeiro lançamento. “Quando me dei conta do que significava a palavra ‘traveco’, o real significado, eu nunca mais cantei essa parte da música”, disse em entrevista para o Época.
Um gesto de amadurecimento que significa muito, sobretudo na cena do rap brasileiro, em que a LGBTfobia, infelizmente, é acolhida e tem muito espaço.
Segundo o IBGE, em 2070 praticamente quatro em cada dez brasileiros serão idosos; 75 milhões ao todo. A expectativa de vida, que estava em 71 anos há duas décadas, hoje beira 76 e, bem antes do fim do século, passará de 83 anos. Apesar de apontar um alto índice de envelhecimento, o Brasil é um país que nega a velhice a muitos, especialmente para pessoas pretas e pardas, historicamente colocadas em más condições de acesso à saúde, trabalho digno, educação e expostas à violência homicida.
O Atlas da Violência, publicado/feito pelo Ipea em maio de 2025, mostrou que pessoas negras continuam sendo a maioria das vítimas de homicídio no país. Dos 45 mil assassinatos ocorridos em 2023, mais de 35 mil foram de pessoas pretas e pardas, número que representa mais de 76% dos casos.
Em um cenário como esse, ver de perto Criolo vivo, pulsando arte aos 50 anos, reverenciando a sua história e seu envelhecimento sadio, no físico e intelectual, é um banho de inspiração. Um som com o axé de um rap que envelhece muito bem e soa cada vez melhor.

Revisão de texto: Clara Lua de Oliveira



