
O caos pode ser poético e artístico?
Por Isabela Rodrigues
Publicado em 01 de dezembro de 2025
Estando presente no caos e no lado oposto aos que dizem, que é impossível existir a beleza nesse tormento conturbado, a rapper NandaTsunami nós responde com um claro sim, de que é possível que o fluxo mais denso de nossa vida possa ser belo, através do seu disco ‘’É Disso Que Eu Me Alimento”.
Nos primeiros acordes, marcados por batidas de trap, sentimos o peso das emoções conflitantes. Não é apenas desejo: há abandono, carência, sedução e ferida. Na faixa “Segredo e Feitiço” percebemos esse mergulho na escuridão, simbolizando os conflitos profundos que borbulham nos relacionamentos.
A virada emocional se dá no interlúdio do álbum, um momento de introspecção e virada interna. É ali que a narrativa se volta para dentro: o caos externo reflete o caos interno, e ela finalmente encara suas próprias feridas.

Musicalmente, a transição sonora acompanha essa jornada emocional. Depois da parte mais densa com trap, o álbum abraça ritmos mais leves através do afrobeat, house e bounce.
Essa mudança não é apenas estética, mas simbólica: as batidas mais leves parecem ilustrar a leveza que nasce do entendimento, da aceitação e do recomeço. É como se a música também se curasse enquanto a protagonista da narrativa se redescobre.
É nesse entrelaçamento de sentimentos que surge a primeira grande revelação da obra: amar também é encarar a si mesma. Ao se deparar com seus próprios excessos, com sua própria fome de ser escolhida, a artista reconhece que grande parte do caos não veio do outro, mas da própria tentativa de caber em lugares que já não acolhiam. A poesia nasce justamente dessa consciência dolorosa, perceber que, às vezes, insistir é uma forma de se abandonar.
O movimento seguinte é o mais árduo: desatar. Não se trata apenas de soltar alguém, mas de soltar expectativas, ilusões, versões antigas de si que já não sustentam a própria alma. Esse processo, descrito por Nanda com uma honestidade que corta, mostra que o caos não é apenas ruído; ele é também catalisador. No centro da desordem, a artista começa a reconhecer o que realmente é dela — e o que ela precisa devolver ao mundo para respirar de novo.

A faixa final, “Por Todo Amor Que Já Senti”, sintetiza esse ciclo emocional. Com versos como “por todo amor que já senti e tudo que me faz pensar, em coisas que já vivi e o que tenho pra partilhar”, Nanda nos entrega sua história não apenas como confissão, mas como legado. É uma partilha que transcende a dor: ela divide seu alimento emocional, seu caos convertido em arte, para que outros também reconheçam sua própria sede de sentir.
Quando o álbum se aproxima de sua conclusão, percebemos que a jornada nunca foi sobre perder alguém — foi sobre recuperar a si mesma. O caos se mostra, então, poético não por romantizar a dor, mas por revelar o quanto ela molda, escava e expande. A artista emerge não intacta, mas inteira de um jeito diferente: consciente das cicatrizes, das falhas, do que ainda dói e, sobretudo, do que nunca mais aceitará.

Na faixa que encerra o álbum, “Por Todo Amor Que Já Senti”, Nanda devolve ao mundo a síntese de tudo o que percorreu. Ela não fala de rancor, de possessão ou de arrependimento. Fala de partilha.
De tudo o que viveu e tudo o que ainda carrega como aprendizado. É um gesto de fechamento emocional, mas também de abertura espiritual: uma declaração de que o amor que alimenta não é aquele que prende, e sim o que liberta.
Mais do que uma história de término ou desilusão, o álbum reflete a autonomia emocional. Conforme ela própria comenta, a narrativa não trata de parar de amar, mas de não se perder quando o outro sai.
“A autonomia emocional surge … de continuar amando, porque esse sentimento também é o que mantém viva.”
Esse é um ponto profundo: o amor não é demonizado, mas ressignificado como força vital.
Por fim, É Disso Que Eu Me Alimento nos lembra que o caos pode sim ser poético e artístico — não porque é arbitrário, mas porque carrega em si o potencial de transformação. Através da dor e da intensidade, NandaTsunami traça uma jornada de amor e autoconhecimento, mostrando que o que nos alimenta nem sempre é o conforto, mas a profundidade genuína do sentir. É no confronto com nosso caos interno que construímos a nossa cura — e a poesia emerge justamente nesse lugar.




