
O impacto de “iMigrante” em Caro Vapor vol. 2
Por Yaz Paulino
Publicado em 12 de Setembro de 2025
Caro Vapor Vol2, qual a forma de pagamento?, novo disco do Don L, é um dos lançamentos mais satisfatórios do ano - e não sou só eu que penso isso, mas tem sido uma opinião compartilhada entre quem se interessa pela música brasileira.
Com mais de dez anos de estrada, Don L é um dos rappers mais longevos do hip hop brasileiro. O nosso bom malandro carrega uma fama pelos grandes álbuns, prezando mais pela cautela e qualidade dos discos, sempre povoados de conceitos revolucionários, criativos e corajosos.
Dessa forma, cada novo lançamento é quase um evento para a comunidade de fãs.
Don L é mais paciente com o seu trabalho e segue aquela velha linha:
o bagulho é loko e o processo é lento.
Esse cuidado se apresenta em muitas camadas, mas especialmente na capacidade do artista em imprimir reflexões do espírito do seu tempo e se posicionar sobre pautas políticas como poucos da cena do rap.

Mas antes de tudo: um iMigrante
Um dos grandes triunfos de Caro Vapor vol2 é exatamente esse: o esforço em elaborar o salto tecnológico que o mundo vivenciou desde 2013 até 2025 e como isso interfere na nossa forma de viver e se relacionar.
Mas entre esse turbilhão de acontecimentos dos últimos anos, entre frustrações humanas e da tecnologia, existe uma questão realmente cara para Don L, que pulsa na metade do disco: o lugar do Imigrante no mundo.
“Eu não sou daqui. Sou tipo a grana deles.
Corre sangue em mim. Igualmente vermelho.
Um dissidente de onde eu vim aqui o estrangeiro.
O forasteiro insubmisso.
Nos bairro chique de fortal o pirangueiro em São Paulo o Paraíba
Em Portugal o brasileiro
Nada disso
O bandido pra apontar o dedo
O meliante bon vivant
O errante
Imigrante”

Uma experiência brasileira
A construção de muros nas fronteiras dos EUA com o México e as deportações em massa de imigrantes provocadas pelo governo de Donald Trump são eventos que reafirmam a importância desse tema estar presente nas rimas inflamadas do artista. O buraco fica ainda mais fundo quando lembramos que a população latino-americana tem sido o principal alvo dos ataques de racismo e xenofobia do presidente norte-americano.
Além da perspectiva geopolítica, o rapper já se abriu também sobre a sua experiência no lugar de emigrante, associando o estranho sentimento de deslocamento à personagem Hermila, do filme O Céu de Suely (2006, Karin Aünouz).
Depois do artista chegar em São Paulo para correr com o sonho da música, ao retornar para sua terra, em Fortaleza, sentiu-se um estranho para aquelas pessoas e aquele lugar, que já foram tão íntimos
“Eu obviamente tenho a minha experiência própria dentro do próprio Brasil, de migrar de um lugar para o outro. No Ceará, todas as famílias têm alguém que mudou, muitos até para Portugal”,
disse em entrevista para o portal Diário de Notícias.
“E então, estrangeiro aqui
De novo
Não integrado, cê já sentiu assim entre o próprio povo?
(Eu já) agora o outro, o exótico, não só o louco
O mundo é nosso
E eu deslocado ao próprio corpo”

Diante de um cenário de constantes ataques imperialistas de Trump aos imigrantes em seu território e suas investidas econômicas ao Brasil, a sensibilidade de Don em se posicionar sobre esse tema é revigorante.
Além disso, o artista invoca a experiência da emigração no território brasileiro, um sentimento familiar para o rapper, que se sensibiliza com a violência que permeia a experiência do Imigrante no momento político que compartilhamos.
Todas essas questões são muito bem amarradas à estética sonora do disco, que preza de maneira fiel aos ritmos latino-americanos, uma escolha consciente.
Segundo Don L, durante a gravação, isso se tornou uma espécie de bordão: “Sem batidas gringas nesse disco”, dizia ele quando algum beat chegava perto de algo como o tradicional boombap. A melodia de iMigrante chama um pouco menos atenção em relação às demais faixas que carregam uma vibe dançante e solar.

Entre tantas reflexões políticas relevantes que esse novo disco propõe, as linhas de iMigrante estão entre as mais importantes. Don L segue resgatando a cultura hip-hop no seu fundamento político e reforça mais uma vez que o rap não é neutro e se depender dele, não será.
Revisão de texto: Clara Lua de Oliveira




