
Onde a Poesia Marginal e a Sétima Arte se encontram
Por guílerme
Publicado em 06 de Setembro de 2025
Cinéfilo: adjetivo e substantivo masculino; aquele que é grande apreciador de cinema, como arte ou lazer, e tem muito interesse por tudo o que a ele se refere.
Foi com seu primeiro trampo, numa locadora (será que vocês, jovens, sabem o que é isso?), onde seu tio era dono, que surgiu o interesse de Funkero pela sétima arte.
De Kubrick a Scorsese como influência, somos diretamente impactados pelo cinema na mixtape Em Carne Viva (2012).
Além do cinema, a escrita, através de crônicas e afins, foi parte importante de sua infância, mas, naquele momento, Funkero não tinha maiores pretensões de subir no palco para cantar.
O MC do Jardim Catarina, bairro da periferia de São Gonçalo, veio da pixação e, através dela, conheceu o rap.
Apesar do vulgo, Funkero nunca foi MC de funk, mesmo sabendo que o pancadão foi uma de suas influências. Se você ouvir a música Ruas Vazias (2007), do Shawlin, Funkero é creditado como Funnk — vulgo oriundo dos tempos de xarpi.
Pelas mãos de Fábio Ema — pixador, grafiteiro e amigo de Funkero —, o então apenas pixador Funkero ganhou de presente o disco Afrociberdelia, do Nação Zumbi. Influenciado e inspirado pelo disco e suas misturas, Funkero decidiu que era isso que ele queria fazer de sua vida.

Antes mesmo de escrever rimas, ele pegou o mic e foi fazer freestyle.
Durante seus rolés na Zoeira — icônica festa de rap underground do RJ —, ele se deparou com uma galera praticando a arte do improviso.
A partir daí, começou sua vivência de MC. Sendo um dos pioneiros da cena, Funkero — juntamente com outros ícones do rap carioca e do coletivo Brutal Crew — ajudou a criar e movimentar a real e tradicional Batalha do Real, na Lapa/RJ.

O álbum
Diversas faixas do álbum são intituladas com nomes de filmes que influenciaram a carreira de Funnk, criando, assim, seu próprio filme. Ainda em 2012, já começamos a transição do CD físico para o digital, e foi exatamente assim o lançamento do trampo. Através de downloads pela Mediafire e outros sites de download alternativos, a ótima mixtape foi ganhando ouvintes pelo país, mas principalmente no RJ.
Em alguns destaques da mixtape, temos:
Na primeira faixa do álbum, De Volta pro Futuro (prod. DJ Caique), entramos em um DeLorean guiado por Funnk e Marty McFly, no banco do carona, atordoado com os zigue-zagues feitos pelo MC.
Na segunda faixa do álbum, o MC sãogonçalense sai direto do sanatório, usando o Santo Graal como copo.
Tomou Um Drink no Inferno (prod. Scott Beats), enquanto Tarantino escrevia o roteiro de sua trajetória.
A influência do funk e Miami Bass carioca é exibida na terceira faixa Alta Velocidade (Debbie Deb extended mix).
Já na quarta faixa, V de Vingança (prod. Goribeatzz), Funkero pinta a visão sobre a cobrança de um caô. Aqui, o DeLorean é trocado pela tensão de um Monza com insulfilm, onde quatro caras desceram atirando.
Absolute Cinema. Literalmente.

Foto: Divulgação
Um ano antes de Snowden revelar ao mundo sobre o programa de vigilância em massa promovido pelos EUA, Funkero já nos dava a letra sobre as câmeras nos filmando e controlando nossos passos.
Na pegada do Grande Irmão, personagem central do distópico — ou nem tanto assim — livro 1984, de George Orwell, Funkero convocou Shawlin e Ogi para rimarem em Teoria da Conspiração (prod. Shaw). Essa, que é a melhor faixa do álbum, treze anos após o lançamento continua mais atual do que nunca.
Se em Alta Velocidade temos a influência do funk/Miami Bass, em Chapa Quente (prod. Cyber) a influência do pancadão se acentua ainda mais.
Na faixa seguinte, Perfume de Mulher (prod. Neguim Beats), temos uma quebra no ritmo frenético do projeto. Sendo o único love song da mixtape, a voz rouca e característica de Funkero faz com que o refrão fique swingado demais.
Em outra faixa swingada, mas dessa vez com uma vibe de putão, o MC carioca trouxe Luã Gordo, do grupo Soldados da Pista, e Essiele, exímio rimador e famoso nas batalhas do RJ, para gastar a onda na faixa Sem Limite (prod. Neguim Beats). Uma das minhas rimas preferidas do projeto é desse som:
“Se eu ganhasse um real pra cada vez que falam mim
Já teria um suprimento de kunk e um castelo em Pequim.”

Em Sociedade dos Poetas Mortos (prod.Neguim Beats), voltamos à mensagem do filme: Carpe Diem. Nessa, temos Chino, do grupo Oriente, rimando como se não houvesse amanhã.
Pintando o cenário de guerra pela visão bandido, temos a última faixa do álbum em Notícias de uma Guerra Particular (prod.Goribeatzz).
Pode ser que, por ser a última faixa do álbum e como ela termina, acredito que tenha sido uma referência à última faixa do Biggie, no álbum Ready to Die.
Ou apenas estou pensando demais.

Foto: Divulgação
Conclusão
Uma das melhores características de Funkero, não só nesse álbum, mas também em outros projetos e aparições, é que não podemos rotular sua música como boombap, trap ou outros subgêneros do rap. Como o próprio rapper define, seu estilo é conhecido como poesia marginal.
Treze anos após o lançamento, Em Carne Viva envelheceu como um bom vinho, servido no Santo Graal. O ex-MC de batalha e excelente letrista definitivamente criou um dos melhores álbuns já produzidos no underground do RJ.
Com todas essas referências trazidas pelo cinéfilo e MC, e observando a tracklist, quais desses filmes você já assistiu?
