
Foto: KLAUS MITTELDORF
Diário de um Detento por Racionais MC's
Por Mari Galvão
Publicado em 13 de Agosto de 2025
Aqui, as composições de Jocenir Prado ganham vida e o Massacre do Carandiru é eternizado através do RAP.
Conheça a história por trás da música e o contexto em que ela se deu.
A Relação entre Mano Brown e Jocenir Prado
Em 1996, após o lançamento do primeiro álbum dos Racionais, Mano Brown foi à antiga Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, para uma partida de futebol no Pavilhão 8.
Em uma conversa com detentos, Brown descobriu que havia um preso conhecido como “tiozinho”, que era famoso no Carandiru por saber escrever cartas e até mesmo compor versos. Os detentos o consideravam um poeta.
Esse homem era Jocenir Prado. No encontro com Mano Brown, ele mostrou uma de suas composições: versos que descreviam a realidade carcerária e o Massacre do Carandiru — uma operação policial que deixou 111 vítimas, em 2 de outubro de 1992.


Foto: Acervo/Folha de São Paulo
“São Paulo, dia 1º de Outubro de 1992, oito horas da manhã
Aqui estou, mais um dia
Sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK”
Esses versos chamaram a atenção de Mano Brown, que perguntou a Jocenir se poderia se inspirar em alguns trechos. Sem nem imaginar o potencial daqueles versos, o detento arrancou a folha do caderno e entregou ao rapper.
Um ano depois, quando Brown voltou ao Carandiru para mostrar ao parceiro de composição a música “Diário de Um Detento”, Jocenir havia sido transferido.
Foi no presídio de Avaré que ele descobriu que fazia parte da composição da música lançada no segundo álbum dos Racionais MC’s – “Sobrevivendo ao Inferno” – em 1997.
“Dois ladrões considerados passaram a discutir
Mas não imaginavam o que estaria por vir
[...]
Era a brecha que o sistema queria
Avise o IML, chegou o grande dia”
Na música, o eu lírico é o detento que conta suas neuroses, mas também descreve o dia anterior e o dia do massacre.
A letra anuncia o que estava por vir e, ao mesmo tempo, denuncia o descaso do Estado com a população carcerária, as condições precárias do sistema prisional e a extrema violência que ocorria no Carandiru.


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Em 1998, o clipe gravado no Carandiru e dirigido por Mauricio Eça com participação dos detentos foi premiado em duas categorias do “MTV Video Music Brasil” (VMB): “Melhor Vídeo de Rap” e “Escolha da Audiência”.
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Em 2009, a música ‘Diário de um Detento’ foi classificada em 52º lugar na lista das “100 maiores músicas brasileiras” publicada pela revista Rolling Stone Brasil.
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Em dezembro de 2012, o clipe apareceu na 2ª colocação na lista de “O Melhor Clipe Brasileiro de Todos os Tempos” pelo jornal Folha de S.Paulo.
Diário de um Detento – O Livro
Em 2001, Jocenir lançou o “Diário de um Detento – O Livro”. A obra é composta por relatos de companheiros de cela que sobreviveram ao Massacre do Carandiru.
O detento, que foi preso por engano, sofreu diversas violências na prisão até conquistar respeito. Ao perceber que a maior parte dos detentos tinha dificuldade em ler e escrever, Jocenir passou a ajudá-los, redigindo suas cartas.
“Eu fazia aqueles versos simples e isso começou a me trazer prestígio e proteção. Quando eu fui transferido de Barueri para a Casa de Detenção, após uma rebelião muito traumática, eu já era conhecido como ‘o tiozinho que escrevia as cartas’”, contou ao Programa do Jô.


O que foi o Massacre do Carandiru?
No dia 2 de outubro de 1992, uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo causou a morte de 111 detentos na antiga Casa de Detenção de São Paulo. A chacina ficou conhecida como ‘Massacre do Carandiru’.
O caso marcou a história do sistema carcerário brasileiro e resultou na condenação dos policiais militares em júri popular, com penas que variavam de 48 a 632 anos de prisão. No entanto, em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu um indulto que perdoou as penas impostas aos réus.
Com o perdão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) extinguiu, em 2024, todas as penas dos 74 policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru.
A ação de Bolsonaro desconsidera os direitos humanos e revela que Diário de Um Detento ainda é um retrato fiel da realidade.




