
Flora Matos em Eletrocardiograma
Por Carol Almeida
Publicado em 29 de Agosto de 2025
O ano de 2017 ficou marcado como o “ano lírico” do rap nacional. Foi quando artistas lançaram discos que transformaram a cena e deram ao gênero novas narrativas, colocando-o no centro das discussões culturais daquele momento.
Naquele mesmo ano, em meio a um espaço ainda dominado por homens, Flora Matos lançou seu primeiro álbum de estúdio, Eletrocardiograma.
O disco não só consolidou sua carreira, como também reafirmou a presença feminina dentro de um movimento que vivia um de seus momentos mais férteis.
A trajetória de Flora até esse lançamento ajuda a entender o peso do álbum. Filha de músicos e criada em Brasília, começou cedo a se envolver com a cultura hip hop, participando de batalhas, festivais e circulando por um circuito independente que a aproximou tanto do rap quanto do R&B.
Sua mixtape de 2009, Flora Matos vs Stereodubs, indicada ao VMB e até tocada na BBC de Londres, exigia um passo que até ali ainda não tinha chegado: um álbum próprio. Em meio a conflitos com gravadoras e produtores que tentavam moldar seu estilo, ela optou por assumir toda a produção do seu primeiro lançamento.

O álbum
O resultado desse processo foi um trabalho profundamente íntimo. Eletrocardiograma funciona como um mapa emocional que se traduz em música.
O álbum oscila entre a dor e a leveza, entre a vulnerabilidade e a força. Nas letras, Flora aborda o amor e as suas contradições, o desejo, a frustração e o reerguimento, construindo um discurso que conecta experiências individuais a questões coletivas.
A capa, por sua vez, traz esse simbolismo de vida, queixas e cabeça erguida reproduzido por uma sobreposição da curva de um eletrocardiograma sobre sua própria imagem segurando o queixo.

Algumas faixas se destacam por seu impacto social e narrativo.
“Preta de Quebrada”, som que traz seu orgulho racial e narrativa de superação, tem como “sample” a palestra da budista, Márcia Baja, sobre amor genuíno e lucidez; uma afirmação firme da identidade de Flora em um disco de sensações.
Em “Como Faz”, uma das músicas mais intimistas, há uma faceta quase mínima, um amor despojado que não exige posses, mas deseja apenas proximidade – a versão acústica aprofunda essa sensibilidade.
Já “Sonhos Gangsta”, dialoga com as vivências cotidianas na busca por melhorias e, sobretudo, a conquista pela sua autonomia artística. Aqui ela retrata os desafios de investir na própria carreira em um sistema excludente, celebrando a vitória de realizar tudo à sua maneira para lançar o disco com seus próprios recursos.

Lançado em setembro de 2017, a obra não foi apenas uma estreia tardia para quem já tinha quase uma década de estreia. Foi um manifesto de independência e um retrato de uma artista que decidiu se colocar por inteiro em sua obra.
A recepção crítica confirmou a relevância: o álbum foi eleito um dos melhores do ano pela Rolling Stone Brasil e o prêmio de Melhor Álbum na primeira edição do WME Awards, promovido pela VEVO.
Em um momento em que o rap nacional se firmava no mainstream com vozes masculinas líricas, Eletrocardiograma reafirmou que a potência emocional e lírica também podia, e precisava, ser feminina. Ao traduzir afetos, dores e conquistas em bons versos, Flora Matos rompeu barreiras para abrir caminhos para outras mulheres na cena.



