
O RAP como parte do Movimento: de olho no retrovisor da história
Por Mari Galvão
Publicado em 19 de Setembro de 2025
Algumas letras não nos deixam esquecer que o RAP é político. Mais do que isso: nos lembram a importância de conhecer a história e tentar evitar que o passado se repita.
E foi dentro dessa perspectiva que o rapper BK lançou o seu álbum O Líder em Movimento, em 2020.
O disco é visceral e se mantém coeso, com um discurso político anti-sistema e em prol do povo preto.
Após o lançamento, BK deu uma entrevista à Rolling Stone Brasil e enfatizou que não podemos esquecer do que fez o RAP ser o RAP. Dada a visão do rapper, aqui nós vamos mergulhar na faixa Movimento.

Construção da faixa
Em Movimento, por meio de versos que se repetem durante a música, BK reforça memórias que não devem ser esquecidas e nem apagadas.
“Eles mataram Pac, mataram Big Eles querem matar um mano que resiste”
“E nós queremos ser livres!”
O beat é sólido, não compete com as rimas, por escolha do próprio artista, mas ao mesmo tempo acompanha os versos. A faixa se inicia com a voz de Polly Marinho trazendo uma mensagem forte e incisiva, como quem inicia o movimento.
Conforme a música ganha forma, o beat também acompanha. O início do flow tem um tom mais sóbrio, de desabafo e reflexão. O tom muda por volta do minuto 2:11, quando o BK nos convida para a ação.
“Vamo derrubar o nome dessas ruas, essas estátuas
Botar herói de verdade nessas praças”
Versos que carregam luta e resistência
Cada verso de “Movimento” costura referências que atravessam séculos de luta e resistência do povo negro. BK resgata líderes pretos assassinados por inspirar e libertar as pessoas, com referências que passam por Brasil, Burkina Faso e EUA.
“Eles mataram Pac, mataram Big”: Tupac Shakur e The Notorious B.I.G., rappers assassinados nos anos 1990.
Ambos eram vozes contra desigualdade racial e violência policial.

“Mataram Marielle e ninguém sabe o motivo”: Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro.
Negra, feminista e defensora dos direitos humanos, assassinada em 2018.

“Malcolm X, eu não tô bem com isso”: Malcolm X, líder do movimento negro nos EUA, assassinado em 1965 por sua postura contra o racismo estrutural.

“Thomas Sankara”: presidente revolucionário de Burkina Faso (1983–1987), morto em um golpe de Estado. Ele defendia independência africana, fim do colonialismo e reformas sociais profundas.
“No show, nós somos Martin Luther King em Washington”: Martin Luther King Jr., líder do movimento pelos direitos civis nos EUA, assassinado em 1968 após anos de perseguição do governo.
Além do retrovisor da história, BK também fala sobre a resistência e se coloca como um agente da mudança, assim como diz o nome do disco: O Líder em Movimento.
Em um dos versos, o rapper vai falar em “derrubar estátuas e ruas”. Uma crítica direta à memória pública brasileira, que ainda celebra colonizadores, escravocratas e políticos ligados à opressão.
“No show, nós somos Martin Luther King em Washington
Manifestações, libertar mentes e pulsos
Buscando soluções, fim dos choros e soluços
Vamo derrubar o nome dessas ruas, essas estátuas
Botar herói de verdade nessas praças”

A exploração da cultura negra como entretenimento
Nessa faixa, Abebe Bikila também expõe o mecanismo ainda vivo de exploração da cultura negra como entretenimento, ao mesmo tempo em que se reprime o pensamento crítico e político que vem destas mesmas pessoas.
‘Eles gostam quando preto dança, grita, chora
Eles temem quando um preto pensa’
O RAP, portanto, não é só música, mas também ferramenta de educação, denúncia e mudança.
Não à toa, a música que mais vende nunca é aquela que é carregada de críticas ao sistema.
Que a luta pela liberdade só acabe quando ela for encontrada
A poesia que abre a música é uma mensagem que vai se conectar com o encerramento.
“Que a luta pela liberdade só acabe quando ela for encontrada para que a nossa poesia não seja mais escrita com sangue.”
Ao final da letra, a repetição do “nós queremos ser livres” e a ênfase na palavra “livres” funciona como síntese. A música não é apenas sobre passado, mas sobre continuidade: a luta do povo negro é uma constante, o sistema ainda é o mesmo.
