
“Manual para não desaparecer”: o rap de niLL e Rodrigo Ogi
Por Carol Almeida
Publicado em 05 de Dezembro de 2025
O álbum "Manual para não desaparecer", lançado pela dupla Rodrigo Ogi e niLL, surge como uma reflexão profunda sobre o ato de permanecer relevante e autêntico num cenário contemporâneo marcado pela fragmentação da atenção do público e pela efemeridade do consumo cultural. A obra é descrita como uma tese sobre a permanência do sujeito e do artista em tempos em que a incessante produção e visibilidade parecem ser exigências para a sobrevivência na indústria musical e na vida social.
O disco equilibra humor, poesia, dúvidas e incertezas, oferecendo um guia poético sem respostas prontas para seguir existindo numa era saturada de ruídos.
A modernidade líquida segundo Bauman
Zygmunt Bauman cunhou o conceito de modernidade líquida para descrever a condição contemporânea em que as relações sociais, econômicas e culturais se tornam frágeis, voláteis e maleáveis, como líquidos. A passagem da modernidade sólida, onde as estruturas e instituições eram relativamente estáveis e duradouras, para a modernidade líquida, caracteriza-se pela ausência de padrões fixos e pelo aumento da individualização.
Nesta configuração, o indivíduo enfrenta a responsabilidade de construir sua identidade e seu lugar na sociedade num contexto de incertezas permanentes, onde a mudança constante é a única certeza.

O álbum é um trabalho que dialoga diretamente com a lógica da teoria, pois aborda o desafio da permanência em um mundo onde a fluidez e a instabilidade ameaçam a construção de legados e a manutenção da singularidade.
A obra artística traduz essa luta pela sobrevivência simbólica contra a pressão constante da indústria e das redes de consumo de cultura que demandam novidade permanente. Assim como Bauman observa a liquefação das relações e a busca individual em um espaço social cambiante, a dupla Ogi e niLL expressa as dúvidas e resistências contra esta dissolução, propondo a poesia e o humor como formas de estabelecer vínculos e afirmar a existência.
Por que o rap ainda é o melhor gênero para ler o presente
Em face da modernidade líquida, onde o instantâneo e o descartável predominam, a obra propõe uma reflexão sobre as estratégias possíveis para a preservação do eu artístico e social. A dupla evoca a necessidade de um equilíbrio delicado entre a autenticidade e a adaptação ao mercado, entre o coletivo e o individual, e entre o humor e o sofrimento.
O disco revela que permanecer não é uma questão de certezas, mas de aceitar a incerteza e a transformação contínua, um ponto de contato claro com a ideia baumaniana de que a vida líquida exige movimento, flexibilidade e, ainda assim, um posicionamento consciente.

Se Bauman descreve um mundo onde instituições e narrativas se desfazem, “Manual para não desaparecer” devolve ao artista a função social de ancorar. O rap, historicamente o gênero que melhor traduz as fraturas da vida urbana, funciona aqui como contraponto ao apagamento. Em uma sociedade onde tudo escorre pelas mãos, suas rimas trabalham como pegadas, pequenas provas de que alguém esteve ali, sentiu, observou, resistiu.
Por fim, Ogi e niLL mostram através do álbum a busca por deixar um legado que resista ao tempo e à volatilidade do presente. Essa busca por permanência e significado em meio às intempéries da modernidade líquida sugere que, apesar da fluidez, é possível criar marcas culturais duradouras para se manter inteiro numa realidade cada vez mais fragmentada.




