
Foto: Thales Côrtes
E o caminho da felicidade ainda existe?
Por Mari Galvão
Publicado em 07 de Novembro de 2025
Em 2025, Stefanie traz uma nova versão para o famoso verso do grupo Racionais MC’s, em 2002
Se a realidade é dura, sonhar se torna modo de sobrevivência, mas quando os anos passam, os desafios só aumentam e a vida se torna cada vez mais intragável, a gente passa a questionar e desacreditar dos nossos sonhos.
Um RAP nacional que traduz todo esse sentimento entre o sonho e a realidade é Vida Loka, Pt. 2, lançado em 2002, pelo grupo Racionais MC’s. Na música, o grupo descreve alguns desejos de uma vida de conforto e paz. Mas o desejo é interrompido pela realidade. À época, o grupo já cantava sobre desigualdade, violência policial, racismo e escassez.

Foto: KLAUS MITTELDORF
Um verso marcante e com pitadas de esperança surge quando Mano Brown canta que o caminho da felicidade ainda existe.
“E o caminho da felicidade ainda existe
É uma trilha estreita em meio à selva triste”
Em 2025, esse verso ganhou uma nova interpretação dentro do RAP:
Stefanie traz o verso na música Outra Realidade, em seu álbum BUNMI. Stefanie olha para o mesmo horizonte que os Racionais olharam, só que agora com uma visão feminina e contemporânea. O “quantas de nóis” amplia o sujeito periférico para mulheres, mães, artistas, e todas aquelas que estão na correria.
“Como ganhar o mundo faltando a perspectiva?
Se pra sobreviver de quanta coisa nóis se priva
Sem escola privada, nem curso de inglês
A nossa realidade é diferente de vocês
E o caminho da felicidade ainda existe
Mas com tantos obstáculos, quantas de nóis desiste?”

Foto: Thales Côrtes
Na mesma música, as rappers Cris SNJ e Iza Sabino complementam a visão já passada por Stefanie.
“Sonhos frustrados pela falta de perspectiva
Porque ninguém cresce na vida de barriga vazia
Continuo atrás da fórmula mágica da paz
Se eles não derem, nóis toma
Porque as pretona
É sagaz”
Nesses versos, Cris SNJ faz mais uma citação ao Racionais, utilizando a música Fórmula Mágica da Paz (1994). Assim como a Stefanie, a Cris SNJ também tem mais de 20 anos de carreira no RAP Nacional. Esses versos da música Outra Realidade, além de mostrarem como mesmo 20 anos depois as mazelas do sistema ainda permanecem iguais, também fazem refletir sobre a jornada das rappers femininas.
Apesar de terem iniciado suas trajetórias no mesmo período que grupos como os Racionais MC’s, elas não alcançaram o mesmo grau de reconhecimento. Essa diferença não se explica pela qualidade artística, mas por uma questão sistêmica que é muito forte dentro do RAP — um gênero que, durante muito tempo, reproduziu o silenciamento das mulheres.

Enquanto o Racionais se tornou referência e símbolo político, muitas MCs precisaram batalhar em dobro para ocupar o microfone: enfrentando não apenas o racismo e a desigualdade social, mas também o machismo enraizado nas cenas e bastidores da música. Essa assimetria revela também o que acontece fora dos palcos: mulheres negras são maioria nas periferias, mas minoria nos espaços de poder, decisão e visibilidade.
No fim, o “caminho da felicidade” que atravessa essas letras não é apenas um verso, é uma metáfora da experiência das pessoas pretas no Brasil, que vivem entre o sonho e a sobrevivência.
Racionais cantou, em 2002, sobre uma cidade que segrega, violenta e silencia. Duas décadas depois, Stefanie, Cris SNJ e Iza Sabino questionam, agora com a perspectiva de quem entende que, além de todas as dificuldades já citadas pelo grupo, também é preciso olhar para as mulheres dentro desse espaço.




